Célia e Rodrigo. A ilusão de um novo lar.

Autor: Ricardo J. Botelho

Célia, depois de um longo dia de trabalho, está em um stand de vendas de um empreendimento imobiliário. Conversa de forma restrita com o corretor de imóveis que a atende.

Quarta-feira, 19 horas. Célia, depois de um longo dia de trabalho, está em um stand de vendas de um empreendimento imobiliário. Conversa de forma restrita com o corretor de imóveis (Paulo) que a atende. Pergunta preço, condições e algumas poucas características do imóvel. Parece distante, um tanto ansiosa. Olha algumas opções de planta, agora já no apartamento decorado. Às vezes, enquanto passeia pelos ambientes, seu olhar indica estar em uma viagem. Não há pistas do que se passa por sua mente.

Depois do terceiro ambiente percorrido por Célia, Paulo faz um movimento buscando o diálogo. Pergunta como é o imóvel atual dela, na tentativa de ajudar com alguma opinião. A resposta de Célia vem seca e firme. “Quero mudar tudo no apartamento novo”, fala com dor. Seu rosto agora está tenso. Paulo sugere um café e faz uma promessa: “Com certeza, vamos encontrar o melhor caminho para viabilizar o que você precisa”. A postura calma e, inicialmente, contida e cuidadosa de Paulo foi fundamental para colocar Célia em uma situação de não agressividade ou desconforto. Paulo intuiu que Célia estava incomodada com suas lembranças. Naquele momento Célia olhava para os ambientes, mas sua mente estava em outra dimensão. Nada do que visse era mais importante do que a razão essencial daquele desejo de mudar tudo no seu atual apartamento. Mas, afinal, o que quer dizer mudar tudo?

Sábado, 11 horas. Célia está de volta ao stand de vendas. Abre a porta e entra procurando Paulo. Logo atrás dela está um homem. É Rodrigo, seu marido. Há certa tensão entre eles, sente Paulo, que os recebe com um largo sorriso. Paulo está incomodado com aquela percepção, na verdade, inconsciente. Mas o sentimento existe.
Não há contato físico entre Célia e Rodrigo. Inexiste aquela intimidade que marca os casais apaixonados. A compra de um imóvel sugeriria um clima de cumplicidade e, porque não, de certo romantismo.

Percorrendo o decorado, Célia mostra para Rodrigo os ambientes que mais gostou na primeira visita. Rodrigo apenas balbucia palavras quase inaudíveis. Está retraído. Braços cruzados e mãos fechadas. Parece uma criança que está ali emburrada querendo estar em outro lugar. No terceiro ambiente mostrado, diante da postura animosa de Rodrigo, Célia explode: “Que saco Rodrigo, você não gosta de nada”.

Touchê! As máscaras começam a cair.

Rodrigo responde agressivamente: “Você nunca está feliz com nada, vive procurando mudar aquilo que está bom”. Célia revida: “Eu pelo menos tento mudar as coisas. Você não quer ser feliz?”

Célia e Rodrigo estão casados há 10 anos. A relação está muito ruim. Célia busca com a compra de um novo apartamento mostrar a Rodrigo que ainda é possível existir felicidade entre eles. Seria como começar tudo de novo. Poderia ser a reforma da sala. Mas Célia escolheu um novo lar. Símbolo maior daquela relação de amor. Com isso, ela pretendia demonstrar a Rodrigo que ainda o amava. Poderia trocar de marido para ser feliz. Preferiu trocar de imóvel e manter a relação na esperança de que algo pudesse acontecer. As mulheres sempre lutam até a última gota de sangue. Uma ilusão que a fez desejar a compra de um imóvel.