Autor: Ricardo J. Botelho
As mulheres conquistam espaços no mundo dos negócios e da política. Mas a concepção dos lares continua a ser território masculino. Até quando?
A crescente e definitiva urbanização da população brasileira traz consigo a verticalização das moradias. Boa parte dos prédios residenciais é projetada por Arquitetos do sexo masculino. As residências unifamiliares contam mais com projetos de mulheres Arquitetas, mas mesmo aí predomina o projeto masculino.
Não existe um indicador seguro que valide estatisticamente esta declaração, mas levantamentos aleatórios mostram que a suposição é bastante verdadeira. Se adicionarmos o fato de que nas construtoras os decisores são em sua maioria homens e o mesmo acontece nas imobiliárias, os lares brasileiros carregam uma visão masculina. O projeto de interiores já chega impactado por essa concepção arquitetônica, difícil de ser alterada pelas arquitetas e designers de interiores, em sua maioria mulheres.
Lembremos ainda que muitas mulheres agora são chefes de família, vivem sozinhas com seus filhos em lares concebidos por homens. Portanto, estamos diante de um dilema interessante. A casa masculina é totalmente diferente da feminina, por questões analógicas ao papel que machos e fêmeas desempenham no reino animal.
O projeto de uma casa seria bem diferente se a mulher fosse a única responsável pela decisão. O lar contemporâneo espelharia o papel da nova mulher, pressionada pelos seus diversos compromissos profissionais e familiares. Aquela mulher dos ano s 50 que cuidava o tempo todo exclusivamente do lar, ainda presente no sonho de muitos homens, não existe mais. E, no Brasil atual, a mão-de-obra doméstica mudou de segmento de trabalho, atraída pelo crescimento econômico e pelas maiores oportunidades em setores como a indústria e o varejo.
A mistura esquizofrênica de projeto clássico e neoclássico que abunda em cidades como São Paulo, modelo que passou a ser exportado para várias partes do país, é uma influência masculina associada à manifestação de poder. Se as casas acomodassem o lado feminino da espécie, a simplicidade, menores espaços, a funcionalidade e a segurança e limpeza, bem como, áreas muito mais verdes seriam as marcas do projeto.
Ambientes tipicamente femininos
A mulher com dupla jornada passou a valorizar o banheiro, que ganhou ares de SPA. Ali, ela vive o seu tempo, isolada, em um exercício de autocontemplação, quase uma auto-adoração. Mesmo com o advento do “homem metrosexual” as coisas que uma mulher faz no banheiro são infinitamente maiores: maquiagem, depilar, limpar e hidratar a pele, lavar, enxaguar e secar cabelos, estudar o rosto com muito cuidado no espelho etc. ganha relevância o armazenamento e manuseio dos cosméticos, além da iluminação do espelho, essencial! Importante: se possível, dois vasos sanitários. Mesmo com a evolução da espécie, o homem não conseguiu ainda aprender a abaixar a tampa.
Outra diferença importante está no vestir. Homens precisam de menos espaço, são mais utilitários. Já as mulheres conseguem extrair bastante prazer no ato de se vestir. Não é só na quantidade de peças, mas é no ritual que se verifica uma diferença extrema. Quanto mais separados forem esses espaços, melhor.
A cozinha é uma espécie de covil, onde o alimento essencial à preservação da vida é preparado. Aqui reina a mulher que desde as cavernas exerce o papel de coletora de comida. A cozinha contemporânea é um showroom de máquinas. Neste espaço a mulher consegue compensar os equipamentos que fazem parte do mundo masculino. Então, esse ambiente deveria ser maior, o que nem sempre acontece. Ampla, aberta e sem barreiras visuais, a cozinha ideal permite à mulher controlar a movimentação dos filhos pequenos. Quem sabe uma bancada na altura das crianças para que elas possam participar do processo de preparo da refeição?
Os homens frequentam a cozinha quando são gourmets, mas mesmo assim, em ocasiões especiais, quando querem se exibir e mostrar as suas qualidades de chef. Em geral, homens fazem churrasco. Por isso, varandas com churrasqueira inundam os apartamentos atuais. Na visão feminina da casa elas não existiriam, a não ser para acalmar os maridos e com isso dar a elas mais espaço no processo de negociação desse lar ideal.
Segurança um fator crítico
A complexão física da mulher é diferente do homem, bem mais forte. Não é foi por acaso que as mulheres é que inventaram a mala com rodinhas! A estrutura física da mulher faz com o aspecto segurança seja uma preocupação relevante para ela. Estar a salvo é parte do DNA feminino e impacta diversas decisões de compra, muito mais do que no caso dos homens.
Ambientes limpos, uma obsessão
Não é à toa que as cores branco, gelo e areia dominam a maioria das aplicações na área de revestimentos, mobiliário etc. Estar em ambientes limpos é uma intuição para as mulheres. É algo associado a sua natureza e essas cores denotam essa preocupação. Isso também se reflete no cuidado dos alimentos, no asseio dos filhos e no seu próprio ato de lidar com o corpo.
Escritório em casa ganha importância
A tecnologia da comunicação e o trânsito pesado nas grandes cidades estão levando homens e mulheres a trabalharem em casa. Muitas empresas já adotam esse sistema e a tendência é que se espalhe mais ainda. No caso das mulheres, o trabalho em casa é muito mais freqüente o que exige adaptações no espaço físico, uma vez que os projetos dificilmente dão importância para esses ambientes. Privacidade e operação como um centro de inteligência da casa, são características exigidas dos escritórios, os quais deveriam ganhar outra dimensão.